A Canção de Arte Brasileira e seus Intérpretes

                                              Dr. Tiago de Oliveira Pinto*

A cultura e a sociedade brasileiras são excepcionalmente multifacetadas e ecléticas, dando um caráter especial à sua música, a qual sempre espelha essa diversidade, que se revela de forma particularmente expressiva, despertando grande entusiasmo no público que tem com ela contato.

Com exceção da obra de Villa-Lobos, a qualidade e variedade da música erudita brasileira é bastante desconhecida. Raras são as gravações de canções brasileiras no mercado internacional - que nem sempre correspondem a um padrão satisfatório de fidelidade interpretativa. Questões referentes a estilo e caráter de interpretação são complexas e exigem cantores que possam compreender e sentir de forma espontânea a alma e a musicalidade brasileiras.

A multiplicidade e os contrastes de um país de dimensões continentais marcam a escolha deste interessante e seleto programa, que visa oferecer um panorama amplo da Canção de Câmara Brasileira por meio de uma seleção de obras de quatro de seus mais importantes compositores: Heitor Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Waldemar Henrique e Ernani Braga. Com esta visão geral pretende-se, na verdade, ilustrar os três aspectos básicos da cultura brasileira - por um lado mostrando sua forte individualidade e por outro sua variedade e sincretismo: o caráter exuberante da rítmica africana, combinado à visão de mundo dos habitantes nativos, contextualizados na forma e tradição européias do Lied. As canções são cantadas em língua indígena, dialetos afro-brasileiros, assim como em língua portuguesa - com isso criando um vasto painel multicolorido do universo brasileiro.

Também a pronúncia do português brasileiro cantado exige conhecimentos específicos e amplos, para que não se incorra no risco de uma pronúncia “regionalizada” exatamente num país tão grande e eclético como o Brasil (pois não se deve esquecer que aqui se trata dainterpretação da “canção de arte”), pois do contrário pode ocorrer o caso de se caricaturizar uma maneira generalizada e estereotipada do falar brasileiro, incoerente ou à maneira de uma pronúncia de moda
.

A execução de tal programa - na devida atmosfera - constitui na verdade um grande desafio interpretativo, uma vez que exige dos intérpretes uma ampla palheta sonora, que vai do lírico ao dramático, com a espontaneidade e o abandono tão típicos da música de tradição popular e folclórica - mesclada com a riqueza rítmica e o caráter narrativo da canção brasileira: ora sensual, ora evocador, ora maroto, brincalhão, malicioso, ora lírico e apaixonado. Isto exige do intérprete grande flexibilidade e uma sensibilidade musical multi-étnica.

 Renato Mismetti e Maximiliano de Brito preenchem plenamente estas condições. Mismetti, dono de forte temperamento dramático e um vasto espectro de colorido vocal, possui amplo repertório, que inclui canções de diversos países e épocas, sempre cantadas na língua original. Seu especial talento para caracterizar timbristicamente sutilezas psicológicas, assim como sua natural e equilibrada pronúncia, aliados ao toque expressivo, preciso e nuançado de Maximiliano de Brito são os fundamentos de um trabalho conjunto harmonioso e envolvente.

Ambos artistas empenham-se especialmente pela divulgação da música de seu país, de cujo valor não estão apenas convencidos, mas também são da opinião de que infelizmente a cultura brasileira é comumente considerada segundo clichês que nem sempre são procedentes. A reação positiva do público quanto às críticas de seus concertos confirmam seu ponto de vista, tanto que, onde quer que se apresentem, Mismetti e de Brito são acolhidos com entusiasmo e calorosamente aplaudidos. Por isso podem ser chamados com merecimento de representantes da música e cultura de seu país.

 

*Diretor do Instituto Brasileiro de Cultura (ICBRA) na Alemanha.

| Home | Canção de Arte Brasileira  |  Intérpretes  |  Agenda | ImprensaLinksEmail |