Planeta Cavalo


OS CHATOS ESTÃO ENTRE NÓS

Onde se escondem os chatos do cavalo? Tem algum na sua hípica? Ou será que... de chato e de louco, todos temos um pouco?

Cada pessoa tem sua percepção do que seja um chato, e sabe quais de seus conhecidos e amigos preenchem esta condição. Também é claro que o chato de uns pode ser engraçado para outros, e simplesmente insuportável para outros ainda. Mas quais são os pré-requisitos da chatice - falta de desconfiômetro, incapacidade (ou falta de vontade) de se harmonizar com o meio em volta, necessidade exagerada de auto-afirmação?

Se a equitação revela a verdadeira personalidade do cavaleiro ao bom observador, o simples convívio com cavalos tende a potencializar a chatice das pessoas. Os cavalos mexem profundamente com algumas de nossas partes mais sensíveis - o EGO e o BOLSO entre elas. Por exemplo, as pessoas de natureza meio sovina, ou algo inseguras, exacerbam em muito estas características quando se trata de seus cavalos, aulas de equitação, equipamentos, contratação de profissionais. Nestes exemplos, ouviremos muita coisa do tipo - “este é mesmo o melhor veterinário?” “Não dá pra dar um desconto maior?” “Eu SEI que este cavalo não está normal hoje.” “Mas falei com fulano e ele acha que...”

Para ajudar nossos leitores a conviver com esta parcela da humanidade, fizemos algumas pesquisas, tanto científicas quanto empíricas, e elaboramos este pequeno Horse-Guia do Chato do Cavalo. Se temos a intenção de amenizar a chatice, o primeiro passo é ajudar a pessoa em questão a se auto-identificar como chata. Quem sabe a leitura deste artigo irá melhorar a qualidade dos relacionamentos humanos (e portanto equinos) em sua hípica?

ALGUNS CHATOS DO CAVALO...

1. O SABE-TUDO: Entende absolutamente tudo de cavalos, raças e esportes equestres. Ansioso por cortar conversas com sua própria explicação para o assunto em pauta. Quando vê um cavaleiro experimentando alguma dificuldade, faz perguntas do tipo: “Mas você já experimentou o bridão modelo tal?” Se a pessoa afirma que sim, e que o bridão deixou o cavalo pior ainda, o sabe-tudo é categórico: “Ah, mas ENTÃO o seu cavalo está com pontas de dente!” Especialmente irritante se tiver seis meses ou menos de experiência com cavalos.

2. O FRACASSADO CRÔNICO: Amarga derrotas sucessivas em competições, vende um cavalo manco para comprar outro mais problemático ainda, ou então logo deixa de gostar do cavalo recém-adquirido, encontrando nele um defeito real ou imaginado. Seus problemas sempre têm causas externas - o piso estava ruim, o ferrador foi incompetente, o juiz roubou. Na compra de cavalos, deixa-se levar pela primeira impressão, considera supérfluo tanto o exame veterinário quanto a opinião de terceiros, e na semana seguinte culpa o vendedor, o veterinário e o instrutor quando o cavalo manca. A variante é o cavaleiro de competição que sempre está à procura de cavalos melhores (mas não muito caros), pois os seus são “muito difíceis de montar”.

3. O JURÁSSICO: Faz tudo como nos tempos do vovô, especialmente se seu avô era a pessoa que mais entendia de cavalos no universo, “pois sentou praça na cavalaria”, ou “tinha cavalo no sítio”. Tudo que pareça moderninho, de embocaduras de silicone à doma racional, para este chato não passa de frescura. Se depender dele, trato de cavalo é rolão, napier e sal grosso, embocadura é freio água choca, e chamar veterinário é bobagem, pois “meu avô chamava o Quinzinho, que fazia desde capar até queimar travagem, e nunca perdeu cavalo nenhum!”. Uma variante urbana é o jurássico do hipismo, que se lembra saudoso das provas em que só havia militares, todos os cavalos de salto vinham xucros dos pampas argentinos, e “a molecada montava muito melhor do que hoje em dia”.

4. O NEW AGE: Considera o cavalo e a equitação exclusivamente instrumentos para alcançar a comunhão com a natureza, sem perder tempo com detalhes técnicos, tais como ter aulas de equitação. Acha as mesmas supérfluas, pois afirma que através da respiração consegue tornar a vontade do cavalo e sua própria uma coisa só. Recusa-se a competir, nem que seja de brincadeira entre os amigos, pois diz que a competição é uma afronta à natureza pacífica dos cavalos. É vegetariano, trata seu cavalo apenas com homeopatia, e está pensando em comprar arreamentos sintéticos, pois o uso do couro de bovinos mortos é contra os seus princípios. Costuma relatar em detalhes a comunicação intuitiva que tem com seu cavalo, estando convicto que esta é uma habilidade exclusiva dele, que ninguém mais tem.

5. O ARISTROCRATA: veste como um manto de nobreza o título de “proprietário de cavalos e praticante de equitação”. Tem preferência por pronomes possessivos - “meu cavalo, meu instrutor, meu tratador, minha hípica”, mesmo que o cavalo seja emprestado e ele esteja em débito com a mensalidade do clube. Quando passeia a cavalo, ignora os pedestres ou no máximo os cumprimenta com um condescendente meneio da cabeça. Nunca deu banho no próprio cavalo e nem sabe colocar uma sela, e senta no restaurante do clube deixando à vista suas botas feitas sob medida. Como nem sempre consegue causar a impressão desejada nos colegas cavaleiros, leva a chatice para o ambiente de trabalho, enchendo o escritório de referências visuais e verbais à nobre arte da equitação.

 

Chagall Marc - Two Clowns on a Horse-back Chagall Marc
1887 - 1985
Two Clowns on a Horse-back

 

6. A SUPER-MÃE: tem seu cavalo por filho mimado, que nunca faz nada de errado, precisa se alimentar bem e não pode tomar correntes de ar. Atazana o gerente de hípica com perguntas do tipo “O cheiro da pomada do cavalo vizinho não vai fazer mal ao meu?” e “Você olhou se ele recebeu quinhentos gramas de cenoura ralada às quinze horas e vinte e cinco minutos?”. Ao falar com seu cav alo, diz coisas como: “Ai, amorzinho da mamãe, dá o pezinho aqui, vai, ou então não te dou o açucarzinho!!” Exige a presença do veterinário para qualquer arranhão, e ameaça mudar de hípica (e contar a todas as suas amigas), se suas orientações não forem seguidas ao pé da letra. Confia em um único tratador, que é obrigado a gastar com o cavalo dela três vezes mais tempo do que com os outros sete cavalos pelos quais ele é responsável. Por isso mesmo, a super-mãe passa o dia da folga do tratador na hípica, cuidando do cavalo ela mesma, ainda que este seja o dia em que o estabelecimento está fechado ao público.

7. O PAI DE CAVALEIRO: convicto de ter gerado o sucessor de Tim McCoy ou de Rodrigo Pessoa, este pai não mede esforços para impedir que seu filho-prodígio experimente na vida uma derrota sequer. Os cavalos mais caros e os melhores instrutores, viagens constantes até provas - e tudo isso comentado de jeito meio displicente para quem queira ouvir ou não: “Precisa ver como o Junior ficou irritado ontem porque perdeu a prova por meio segundo, queria sair chutando o cavalo!” Nas competições, o pai chato leva o cronômetro em uma mão e o regulamento em outra, questiona em tom mais ou menos velado a imparcialidade dos juízes, e fica de cara amarrada quando o garoto não leva para casa ao menos uma escarapela de sexto lugar. Uma variante mais chata ainda é o pai-técnico, que entende (ou imagina entender) da modalidade, e reclama de todas as características de percurso que não sejam ideais para o filho ou o cavalo deste, e ameaça “entrar com um recurso” se as mesmas não forem modificadas.

8. O APÓSTOLO FANÁTICO: bastante encontrado entre cavaleiros profissionais, este chato segue os mandamentos de um guru - seu instrutor favorito, seu pai, o autor de algum manual de equitação - e não aceita técnica, teoria ou exercício que difira um milímetro das opiniões de seu mentor. Além disso, considera-se o primeiro discípulo de seu avatar, e como tal dono da verdade do mundo do cavalo. Suas frases começam com: “O mestre fulano sempre disse que...” ou “Reza o manual da federação equestre alemã...” Para ele, as pessoas do cavalo se dividem em dois grandes grupos: os discípulos do mestre e aqueles que não entendem NADA de equitação, e que não merecem ser ouvidos.

9. O ACHADOR DE DEFEITOS gosta de posar como grande entendido em cavalos, mas nem todos percebem que ele tem um olho tão treinado para perceber defeitos isolados que não consegue avaliar as qualidades do conjunto (ou do cavalo, ou do cavaleiro) como um todo. Quando lhe é apresentado um cavalo, examina-o por todos os ângulos com ar de sabedoria, espera que o orgulhoso proprietário recite o currículo de vitórias do animal, para só então soltar algo como “Realmente maravilhoso, só o ângulo de implantação da orelha poderia ser melhor.” Quando observa um cavaleiro, pode ser ouvido dizendo: “Esse garoto monta tão bem, pena que ele tenha uma mão um pouco dura...” Um detalhe interessante é que este chato muitas vezes nunca criou cavalos, e há vinte anos não sobe numa sela.

10. O COMEDIANTE gosta de dizer de si mesmo que perde o amigo, mas não perde uma piada. Adora críticas ácidas disfarçadas de elogio: “Nossa, como tá gordo esse cavalo!” e também é criativo: “Espero que você tenha brigado com a mulher hoje, pois do contrário não tem desculpa para estar montando tão mal!” Fala tudo sorrindo, e se dermos uma resposta curta e grossa, ouviremos outra piadinha: “Credo, o cavalinho tá coiceiro!”. O melhor momento de se vingar do chato comediante é quando ele cai do cavalo - literal ou figurativamente - fazer uma piadinha a respeito e sair correndo, pois neste momento ele não consegue preservar seu habitual bom humor.

11. O COLECIONADOR DE EQUIPAMENTO não aguenta passar na frente de uma selaria sem entrar, bisbilhotar e adicionar algum ítem à sua vasta coleção, que logo mais é apresentado à turma do cavalo. Bridões são os favoritos dos colecionadores, embora botas e esporas venham logo atrás. Para deixar um colecionador contente, basta reparar: “Que bridão legal, onde você comprou?” Ele vai se deleitar MESMO se puder responder: “Ah, foi em Londres.” Também existem os colecionadores de suplementos, que testam avidamente cada novo “pozinho” lançado, na esperança que vitaminas, minerais e aminoácidos operem milagres em seu cavalo.

12. O LADRÃOZINHO DE OCASIÃO consegue passar a vida comprando o mínimo de gêneros de primeira necessidade, e quase nada de acessórios, para o seu cavalo, pois considera selarias e quartos de ração alheios um imenso supermercado gratuito. Desde cenouras e alfafa passando por chicotes e esporas e chegando às selas - ele se apossa de tudo, seja para consumo, uso temporário ou permanente. Tem habilidade para entrar na selaria quando ninguém está olhando, e pega só um pouco de ração, para não dar na vista. Sua preferência especial são medicamentos importados caríssimos. A versão atenuada deste chato é aquele que não compra nada e empresta tudo, sempre de última hora. Este chato só não pega cavalo dos outros, pois sabe que manter o bicho custa dinheiro.

13. O APAIXONADO ama seu cavalo mais do que tudo no mundo. Até aí tudo bem, mas a chatice acontece quando o indivíduo não tem outro assunto. Este chato interrompe qualquer conversa sobre cavalos para contar um causo semelhante que tenha acontecido com o seu animal, é mais intenso que dez pais corujas para exaltar as virtudes de seu cavalo, e em qualquer evento ou passeio onde esteja longe do mesmo exclama “Ah, se o meu cavalo estivesse aqui, íamos dar uma surra em todo esse povo aqui!”. Uma variedade ainda mais irritante é o chato deprimido, cujo cavalo tenha morrido ou sido aposentado, e que comunica a todos sua convicção de que nunca irá achar novo cavalo como aquele.

UMA PALAVRA DE CONSOLO...

Assim como foi conosco, você vai tender a se reconhecer em um ou mais dos tipos descritos. (Se isso não acontecer, cuidado, pois você pode pertencer à pior categoria dos chatos - aqueles que se acham divinos, angelicais ou ao menos super-homens). Para a cura da chatice, enxergar-se com clareza, limitar os excessos, preservar o bom humor e o senso do ridículo já é meio caminho andado.

Ricardo M. Boucault
e Claudia Leschonski


 

PERSONALIDADE HUMANA:
NORMALIDADE E CHATICE

Os psicólogos catalogam sete tipos de perturbações, agitações e desordens da personalidade que motivam procedimentos fora do padrão social. Quanto estas atitudes ultrapassam um nível tolerável em intensidade e frequência, a pessoa é caracterizada como “chata” pela sociedade. Lendo as definições, você perceberá que os “chatos do cavalo” que caricaturamos acima são compostos de vários elementos dos sete tipos de “chato científico”.

1. PARANÓICO
Acredita ser prejudicado pelos outros, por isso questiona a fidelidade das pessoas. Supervaloriza sua própria importância e não admite contestação a seus pontos de vista. É irônico em suas críticas, mas não tolera críticas dirigidas à sua pessoa.

2. ESQUISITO
Exibe um padrão de afastamento social persistente, com excentricidade de comportamento e pensamento. Tem interesse em trabalhos solitários e em atividades não-competitivas. A ausência do sentimento de companheirismo é compensada por zelo apaixonado pela leitura. pelos animais ou por alguma expressão artística de difícil compreensão.

3. EXPLOSIVO
A pessoa apresenta explosões de cólera seguida de atos de agressividade. As ações sociais podem ser realizadas sem que se leve em conta as consequências. Estas atitudes são deencadeadas devido a ameaças de separação ou de rejeição, ou por causa de expectativas frustradas.

4. HISTÉRICO
Tende a exagerar seus pensamentos e sentimentos, apresentando acessos de mau humor sempre que percebe não ser o centro das atenções ou quando não recebe elogios. Manifesta traços pronunciados de vaidade, egocentrismo, exibicionismo e dramaticidade. Sempre se queixa de incompreensão, mas jamais tenta compreender os outros.

5. ANSIOSO
Mostra tensão e apreensão permanentes. Tem tendência a isolar-se para evitar críticas. Procura aparentar aquilo que não é, pelo receio das pessoas perderem o interesse por ele.

6. OBSESSIVO-COMPULSIVO
É perfeccionista e inflexível. Incapaz de suportar o que considera infração às suas determinações de organização. Por ser extremamente crítico em relação ao procedimento alheio, procura sempre estar no comando das atividades.

7. BORDERLINE
Pode sentir empatia e carinho por outros, mas estes sentimentos são frutos da expectativa de ter atendidas suas próprias necessidades de apoio, carinho e atenção. Apresenta instabilidade afetiva com acentuada mudança de humor em tempo curto. Exibe impulsividade em áreas potencialmente prejudiciais a si próprio.

Fonte consultada: BALLONE, G. J. Personalidade
http://meusite.osit.com.br/ballone/

 


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