Il Convivio Mahmud Darwish
Nota e tradução de Andityas Soares de Moura
 
Mahmud Darwish

Mahmud Darwish nasceu em Al-Birwah, perto de Akka (Galiléia), no ano de 1941. Em 1948 sua aldeia foi atacada pelos sionistas e os habitantes levados para outros lugares. Aos sete anos Darwish fugiu para o Líbano em busca de notícias de sua família, que, no entanto, não conseguiu achar. Um ano depois, o poeta retornou à Palestina, onde encontrou sua aldeia totalmente arrasada. Um assentamento israelense ocupavalhe o lugar. Darwish escreveu seus primeiros textos poéticos quando cursava o primário na aldeia de Der Al-Asad. Foi detido e preso pelos israelenses em diversas oportunidades ao longo de sua infância e adolescência, sendo que proibiram-lhe de cursar o ensino superior. Entretanto, foi para Moscou em 1970 e para o Cai-ro no ano seguinte. Desde então tem organizado várias pu-blicações e centros de pesquisa palestinos. Hoje é presidente da Sociedade de escritores e poetas palestinos. Darwish escreveu uma enorme quantidade de livros e é considerado o poeta mais representativo não só da Palestina mas de todo o mundo árabe. Há vários anos é indicado ao Prêmio Nobel.
Em abril de 2002, o exército israelense – em mais uma de suas “operações anti-terror” – atacou e destruiu o centro cultural Jalil Sakatini (Ramalá), dirigido por Darwish. Antes de tudo, o edifício foi saqueado pelas forças militares de Israel que levaram arquivos, documentos e obras de arte e logo depois seriamente danificado por explosões de cargas de dinamite. O edifício também era sede da prestigiosa revista literária árabe Al Karmel, editada por Darwish. Horas mais tarde a operação continuou com a invasão da casa do poeta, que há vários meses se encontra no estrangeiro. Desde há muito tempo o governo israelense vê os textos e idéias de Darwish, considerado o poeta nacional da Palestina, com maus olhos. Em abril de 1988 o então primeiro ministro Isaac Shamir iniciou uma ofensiva a Darwish em razão do poema Passando entre as palavras passageiras, que segundo Shamir era «a expressão exata dos objetivos buscados pelo bando de assassinos organizados debaixo do guarda chuva da OLP». Na verdade, o poema é um pedido dirigido aos israelenses para que deixem as terras ocupadas.
O poema abaixo traduzido – Carteira de identidade – foi retirado da antologia espanhola intitulada Palestina 2000 – Histária de un pueblo en sus paisajes, música y poesía de Suhail Hani Daher Akel.


Carteira de identidade

Escreve
que sou árabe,
e o número de minha carteira é cinqüenta mil;
que já tenho oito filhos,
e o nono chegará no final do verão.
Isso te enoja?

Escreve
que sou árabe,
e que com meus companheiros de infortúnio
trabalho na pedreira.
Para meus oito filhos
arranco, das rochas,
o duro pedaço de pão,
as roupas e os livros.
Não mendigo esmolas à tua porta,
nem me rebaixo
diante de tuas escadas.
Isso te enoja?

Escreve
que sou árabe.
Sou apenas um nome.
Espero, paciente, em um país
no qual tudo que há
existe pela raiva.
Minhas raízes,
destruíram-se antes do nascimento
dos tempos,
antes do começo das eras,
do cipreste e da oliveira,
antes da primeira das ervas.
Meu pai...
da família do arado,
não de nobres senhores.
Meu avô era um lavrador,
sem títulos nem nomes.
Minha casa é uma choça campesina
de canas e tábuas,
Isso te agrada?...
Sou apenas um nome.

Escreve
que sou árabe,
que tenho o cabelo preto
e os olhos castanhos;
que, para maiores detalhes,
cubro minha cabeça com um véu;
que as palmas das minhas mãos, duras como rocha,
picam quando as tocam.
E eu gosto do azeite e do tomilho.

Que vivo
em uma aldeia perdida, abandonada,
com ruas sem nome.
E cujos homens todos
estão nas pedreiras ou no campo...
Isso te enoja?

Escreve
que sou árabe;
que roubaste as vinhas de meu avô
e a terra que eu arava.
Eu, com todos os meus filhos.
Que só nos deixaste
estas rochas...
Teu governo não vai também – como se diz –
confiscá-las?

Então, escreve... Escreve
no começo da primeira página
que não odeio ninguém,
nem roubo nada de ninguém.
Mas, que se tenho fome,
devorarei a carne de quem me rouba.
Então, cuidado!...
Cuidado com minha fome,
e com minha ira!