Edimilson de Almeida Pereira

di Andityas Soares de Moura


 

Poesia Brasiliana * A cura di Andytias Soares de Moura

O mar escreve duras idéias : Ou como o blues sangrado de Edimilson de Almeida Pereira toca nas rádios das cidades invisíveis

di Andityas Soares de Moura


O que leva um poeta a reunir sua obra em um ou alguns volumes? Talvez a legítima vontade hegeliana de unidade, esta quimera moderna que tanto nos preocupa. Ou talvez, quem sabe, a vontade de freiar a natural dispersão do uerbum poético, que se dá a praias infindas, diversas até daquelas que conhece o autor... Não sabemos a resposta de forma intuitiva. É preciso investigar cada caso, com fome de explorador de cavernas. Em se tratando de Edimilson de Almeida Pereira, poeta mineiro de projeção nacional e internacional, podemos arriscar uma hipótese: a obra exige a unificação. Tal ocorre não só devido ao movimento dos anos que s'encostam na folha – desde 1985 nosso vate publica... desde quando (d)escreve? – mas também graças a uma natural propensão da obra de Edimilson: ela anseia comunicarse. E de que forma seus versos poderiam falar mais sofregamente do que em uma reunião, em um codex essencial de poemas? Nele, os versos conversam, às vezes animados, às vezes com certo susto, mas sempre ecoam à vontade. Assim é.

Zeosório Blues – Obra poética 1 (Mazza Edições, 2002) é a primeira parte de uma tetralogia com a qual nos presenteará Edimilson, reunindo a « estrela da vida inteira », até o momento, já que se espera que novas obras sucedam e acompanhem, pari passu, as quatro planejadas reuniões. Neste primeiro momento, no qual o próprio autor admite um certo subjetivismo muito peculiar no critério de edição, podemos observar certos topoi comuns à dicção particularíssima de Edimilson. Vejamos, em síntese, no que consistem.

A idéia central que informa toda a obra é a de ritmo, pois o poeta constrói seus poemas – ora longos como rios no deserto, ora concisos como o sussurro no ouvido – tendo em vista uma sintaxe que afoga o inecessário, fazendo submergir a frase poética depurada. Mas que não se enganem os menos atentos, já que a música sincopada dos versos não nasce de sua exterioridade, sic et simpliciter, como queria Verlaine. O ritmo do trompete sa(n)grado que modela o blues maisque-triste, enevoado e sorridente é, antes de tudo, uma pura criação do intelecto. Só a relação – ambígua, na maioria das vezes, o que dá ao poema a feição de charada deliciosa – intrínseca entre significado e significante é capaz de construir o ritmo rasgado. Nesse sentido, a melopéia substituise, com grande vantagem, pela logopéia, a dança das palavras (Ezra Pound). Ora, se os ritmos de Edimilson são capazes de seduzir – e eles o são –, é porque o leitor foi capaz de deixarse abandonar à corrente infinita de cores e sons destilados nas páginas de Zeosório Blues, caligrafadas com o zelo e o cuidado de quem conhece as armadilhas da língua.

Os poemas de Edimilson exigem, portanto, uma entrega de seu ouvinte/leitor, já que para escutar as letras cantarem, com a voz terrivelmente doce de uma Janis Joplin renascida nas ruas queridas de Juiz de Fora ou de outra calvinesca “cidade invisível” (New Orleans, Luanda, Rio de Janeiro etc.) é preciso esquecer o duro remoer dos dias. O trabalho poético nasce de um paradoxo: otio, sem duvida, como defenderia T. S. Eliot, mas ao mesmo tempo em que reflete uma opção de criação extremamente intelectualizada, dá sentido e existência ao negotio tão caro à sensibilidade latina. E o locus amoenus de Edimilson não surge de um aprazível campo idílico, mas antes das pressões cotidianas, espezinhantes e terríveis. Só assim é possível encontrar a redenção em uma onda de rádio, comunicador universal por meio do qual Edimilson pretende pagar sua dívida de sangue com a poesia.

Zeosório Blues exercitase, como o ginasta de Ponge, à beira do abismo. É fácil não compreender o texto se o perscrutamos com demasiada sisudez. Por outro lado, o baile e a festa serão os elementos capazes de (re)ligar esse carnaval de outono que perpassa a obra com a história do operário anônimo, caminhante entre caminhantes. Como o de Manuel Bandeira, o carnaval de Edimilson não cavalga no sentimentalismo lacônico e embriagado de Schumann, mas antes procura, no rigor da palavra pinçada de negros abismos, a fórmula de reconciliação com a vida fora do papel.

A obra de Edimilson passeia assim por caminhos particularíssimos, onde reencontra personagens conhecidos e situações-limite, nas quais o poeta conversa com suas raízes, sejam familiares, sejam poéticas, sejam, por fim, amorosas. No entrecruzamento de solidões, Edimilson aponta para a possibilidade ínfima de salvação, que, naturalmente, só se encontra, in potentia, no decurso maior do fazer poético, que, longe de amarrarse a tendências arcaizantes ou pseudo-modernas, prefere exprimirse de uma maneira sutil, elegante e sóbria.

Existem, por certo – tratase de uma reunião de obras –, algumas desigualdades, não em termos de qualidade, mas de interesse por determinados temas, o que, ao meu ver, só torna a experiência do leitor ainda mais rica: pular do salão do pierrot de Edimilson, o fantástico mestresala, para as tórridas passagens do bairro, do sonho abstrato e da lúcida pessoalização de seu Linaeus é um desafio que o leitor de poesias – este poeta de olhos vagos – não pode negar. A recompensa é gratificante: sentir a pulsação de um blues de cicatrizes inúmeras que, ferindo nossos ouvidos, nos faz lembrar do desespero da dor, pois só o que dói é humano.

Rectius: só o humano é belo. 

 

 

ESCOLA

de Edimilson de Almeida Pereira

 

Passamos as ruas como um segredo

e nossas alegorias exprimem realidades mais

                   fundas que o espanto.

 

São dias de máscaras, de intenções claras

somos em nós, em nós se concentra o mundo e

                   suas cartas.

 

Reconhecemos a nuvem e a fantasia

nada há nestas ruas que as impeçam de nos

                   iludir e decifrar.

 

Passamos como um rio na madrugada

e nossas alegorias designam verdades mais

                   firmes que a sabedoria dos homens.