Il Convivio

A. IV n. 3
Luglio - Settembre 2003

A dialética do esquecimento de Iacyr Anderson Freitas

por Andityas Soares de Moura

Comentar um novo livro de Iacyr Anderson Freitas é apenas um pretexto para tentarmos uma aproximação mais ou menos arbitrária do conjunto da obra deste autor mineiro, que há bons anos vem se dedicando a escavar os profundos sítios de seu imaginário pessoal, atitude que acaba se refletindo em uma vivência comunitária, como em todo bom poeta, que é «antena da raça» (Pound).

Os poemas de “A soleira e o século” (Nankin / Funalfa, 2002) flutuam em uma atmosfera variada, mas nem por isso deixam de refletir o espírito que informa a cosmogonia poética/pessoal de Iacyr. Como reunião que é, a obra não poderia deixar de apresentar certas variações, distensões e quebras de diálogo, mas o presente conjunto representa antes de tudo um atestado de maturidade poética do autor. Com efeito, a obra de Iacyr vem se desenvolvendo silenciosamente em uma direção muito pessoal. O poeta mineiro - e isso é notável - mantevese puro e independente diante das inúmeras ondas, modas e folkways que assolaram e ainda assolam a poesia brasileira, eterna colonizada, temerosa de encontrar seus próprios caminhos, tal e qual criança mimada (ou abandonada?).

Iacyr não se rendeu nem ao apelo dos colonizadores nem à teocracia dos “papas” de São Paulo e Rio de Janeiro, que olimpicamente desconhecem qualquer poesia que não seja feita nos limites geográficos e mentais - sempre estritos - de seus domínios. Anderson Freitas privilegia a palavra em estado primordial, por isso os temas da linguagem e da comunicação preenchem as linhas mestras de suas peças. Em Iacyr há sempre uma impossibilidade de comunicação que se resolve no desespero de Sísifo ou na “outra vida” de um Lázaro contemporâneo... Mas o modus informador da textualização das experiências vivenciais é um movimento contraditório, já que a consciência poética, inicialmente separada do mundo, do outro, do euparanós do qual fala Hegel, descobre que não é a convivência com o alter que faz o diálogo, mas antes a possibilidade - imperfeita, e por isso mesmo humana - de constantemente buscar a significação/igualdade no outro e para o outro. É essa comunicação possível, que s’equilibra num fio de faca - perigoso caminhar, perigoso deterse e olhar para trás, diria Nietzsche -, sempre ameaçada pela ditadura do individualismo, pelo conservacionismo das formas e pela dispersão própria do intelectualismo estéril pósmoderno que Iacyr pretende afirmar e conservar...

Durante mais de 2000 anos a poesia ocidental se fez com base em ritmo, regularidade e forma. Há apenas pouco mais de um século o verso «se libertou». Ignorar esse processo é ignorar o que é poesia. E o poeta mineiro não cai na doce armadilha de abandonar o difícil e enveredar por uma «poesia livre», mas falsificada. Demonstra em vários momentos o domínio absoluto da métrica, a respiração do poema (Octavio Paz)... Iacyr consegue, forçando o rigor até os seus limites, construir uma poética densa e limpa, características essas, é claro, aplicáveis não só aos sonetos presentes na obra, mas a toda a sua soleira, mineira em sua gênese, universal em sua significação e intimista em sua vontade de afirmar, com a ajuda da solidão e da terrível verdade da temporalidade, a maravilha de ser humano...