Il Convivio

A. IV n. 3
Luglio - Settembre 2003

A poesia de Camilo Mota: breve apreciação

por Andityas Soares de Moura

Li “Trilhas”, este livro tão denso em um fôlego e posso dizer que fiquei surpreso: encontrei uma poesia limpa, não afetada, bela e que não se exibe, melancólica, nunca banal, erótica, mas bem longe da vulgaridade. Poemas raros nesses tempos magros, nos quais os escrevinhadores se perdem na masturbação do intelectual incompreendido, e fazem anagramas, palavras-cruzadas, mensagens telegráficas, mas poesia não. As “Trilhas” de Camilo têm o vigor de poesia antiga e querida, a ternura de nossas primeiras leituras, quando apenas descobríamos a verdade do poético sem preocupações com formas asfixiantes. Poemas como Janaína, Parecia tão simples o abismo, Cada recanto e mistério guardados ficaram e Valparaíso limpam a alma do leitor. Neles, e em muitos outros, o autor nos embala com a terna e suave música de sua ars amatoria crepuscular; o corpo da mulher é celebrado como brinquedo, leito e raiz primeira. Todo o processo de maravilhamento é perpassado pela perene sensação da sutil existência humana: oblíqua e olorosa. Camilo não quer chocar. Ele nos leva pela mão, ao mesmo tempo gentil e grave. E o que temos pela frente é uma noite sempre cálida, na qual uma lembrança se comparte, um seio reflete a luz fugidia da lua e o verbo descansa, tenso e insone, nos redobres infinitos daquilo que nos acostumamos a chamar de memória.
 
Ao Day
 
Parecia tão simples o abismo:
o ar, plenitude à frente...
mas nós, amigo, que nunca fomos pássaros,
que coragem essa de encarar o vazio?!
 
Ainda que a ânsia de partir seja grande,
e o afago do incomum nos consuma,
vítimas nos fazemos da trilha que nos leva ao lar:
aconchego simples da mulher,
afago que é dela a sina.
 
Amigo, amigo, amigo,
eu te abraço tão irmão,
que perco as perdições,
andanças, vazios todos
que me levaram para tão longe de tudo e todos...
só para te ver amparado, simples e calmo,
como sei que gostas,
no seio dessa tranqüila mulher
e seus cabelos dourados...
 
Não temas, amigo, as palavras que partem,
dividem, inexistem além de seu coração...
Só há, amigo, afinal, o coração...
Por que deixá-lo?
 
Somos, sobretudo, bobos.
Imensamente bobos e tolos!
Só isso, e nada mais.