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Li “Trilhas”, este livro
tão denso em um fôlego e posso dizer que fiquei surpreso: encontrei uma
poesia limpa, não afetada, bela e que não se exibe, melancólica, nunca
banal, erótica, mas bem longe da vulgaridade. Poemas raros nesses tempos
magros, nos quais os escrevinhadores se perdem na masturbação do
intelectual incompreendido, e fazem anagramas, palavras-cruzadas,
mensagens telegráficas, mas poesia não. As “Trilhas” de Camilo
têm o vigor de poesia antiga e querida, a ternura de nossas primeiras
leituras, quando apenas descobríamos a verdade do poético sem
preocupações com formas asfixiantes.
Poemas como Janaína,
Parecia tão simples o abismo,
Cada recanto e mistério guardados ficaram
e Valparaíso limpam a alma do leitor. Neles, e em muitos outros,
o autor nos embala com a terna e suave música de sua ars amatoria
crepuscular; o corpo da mulher é celebrado como brinquedo, leito e raiz
primeira. Todo o processo de maravilhamento é perpassado pela perene
sensação da sutil existência humana: oblíqua e olorosa. Camilo
não quer chocar. Ele nos leva pela mão, ao mesmo tempo gentil e grave. E
o que temos pela frente é uma noite sempre cálida, na qual uma lembrança
se comparte, um seio reflete a luz fugidia da lua e o verbo descansa,
tenso e insone, nos redobres infinitos daquilo que nos acostumamos a
chamar de memória.
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Ao Day
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Parecia tão simples o abismo:
- o
ar, plenitude à frente...
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mas nós, amigo, que nunca fomos pássaros,
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que coragem essa de encarar o vazio?!
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Ainda que a
ânsia de partir seja grande,
- e
o afago do incomum nos consuma,
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vítimas nos
fazemos da trilha que nos leva ao lar:
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aconchego simples da mulher,
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afago que é dela a sina.
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Amigo, amigo, amigo,
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eu te abraço tão
irmão,
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que perco as
perdições,
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andanças, vazios
todos
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que me levaram
para tão longe de tudo e todos...
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só para te ver
amparado, simples e calmo,
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como sei que gostas,
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no seio dessa tranqüila mulher
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e seus cabelos
dourados...
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Não temas,
amigo, as palavras que partem,
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dividem,
inexistem além de seu coração...
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Só há, amigo, afinal, o coração...
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Por que deixá-lo?
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Somos, sobretudo, bobos.
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Imensamente bobos e tolos!
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Só isso, e nada mais.
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